Lima Barreto |
Quando de manhã cedo, saio da minha casa, triste e
saudoso da minha mocidade que se foi fecunda, na rua eu vejo o espetáculo mais
engraçado desta vida.
Amo os animais e todos eles me enchem do prazer natureza.
Sozinho, mais ou menos esbodegado, eu, pela manhã desço a
rua e vejo.
O espetáculo mais curioso é o da carroça dos cachorros.
Ela me lembra a antiga caleça dos ministros de Estado, tempo do império, quando
eram seguidas por duas praças de cavalaria de polícia.
Era no tempo da minha meninice e eu me lembro disso com
as maiores saudades.
- Lá vem a carrocinha! - dizem.
E todos os homens, mulheres e crianças se agitam e tratam
de avisar os outros.
Diz Dona Marocas a Dona Eugênia:
- Vizinha! Lá vem a carrocinha! Prenda o Jupi!
E toda a “avenida" se agita e os cachorrinhos vão presos
e escondidos.
Esse espetáculo tão curioso e especial mostra bem de que
forma profunda nós homens nos ligamos aos animais.
Nada de útil, na verdade, o cão nos dá; entretanto, nós o
amamos e nós o queremos.
Quem os ama mais, não somos nós os homens; mas são as
mulheres e as mulheres pobres, depositárias por excelência daquilo que faz a
felicidade e infelicidade da humanidade - o Amor.
São elas que defendem os cachorros dos praças de polícia
e dos guardas municipais; são elas que amam os cães sem dono, os tristes e
desgraçados cães que andam por aí à toa.
Todas as manhãs, quando vejo semelhante espetáculo, eu
bendigo a humanidade em nome daquelas pobres mulheres que se apiedam pelos
cães.
A lei, com a sua cavalaria e guardas municipais, está no
seu direito em persegui-los; elas, porém, estão no seu dever em acoitá-los.
Marginália, 20-9-1919
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