terça-feira, 12 de agosto de 2025

Para fazer a Faculdade de Direito, "peguei no tranco". Mas ao depois, apaixonei-me - Por Mhario Lincoln, também poeta e escritor

 


Para fazer a Faculdade de Direito, "peguei no tranco". Mas ao depois, apaixonei-me.


Mhario Lincoln

A primeira porta que usei para subir um patamar acima da minha normalidade foi a da Faculdade de Direito. Isso, no começo dos anos 70. Um imenso orgulho de estudar no belo prédio da rua do Sol, em frente ao Teatro Arthur Azevêdo, onde funcionava um dos mais antigos Cursos de Direito do Brasil, em São Luís-Ma.

O primeiro impacto foi cruzar, diariamente, com os eméritos catedráticos, Tácito Caldas, Dionisio Nunes, Edomir Martins de Oliveira, Alberto Tavares e Mário Santos, meu tio. Deste, ouvi: "orgulhe-se de estar aqui, porque esta Faculdade de Direito nasceu adulta, com os ares de Coimbra".

Sim, eu tinha conhecimento disso. Principalmente porque desde sua fundação, sempre elencou professores ilustres, como Henrique Couto, Luiz de Carvalho, Viana Vaz, Clodomir Cardoso, Henrique Costa Fernandes, Alfredo de Assis, Godofredo Viana, Rubem Almeida, Antonio Lopes, Antenor Bogea, Públio de Melo, Orlando Leite, Acrisio Rebelo, José Oliveira, João Itapary e outros cavaleiros da távola da deusa Themis.

E não foi tão fácil chegar na Faculdade. Só aceitei fazer o vestibular após alguns carões de meu pai, advogado José Santos. Na verdade, a ideia era continuar como músico, tocando nos bailes e em auditórios colegiais. Uma vida de muita vibração e empatia.

Porém, obrigado, fiz o vestibular e logrei aprovação. Mas, o melhor estava por vir. Ao colocar os pés naquele cenário deslumbrante - o da Faculdade de Direito da rua do Sol - em meu primeiro dia de acadêmico, com 19 anos, tudo mudou.

A Faculdade, naquele prédio, me envolveu de tal forma que, se o mármore da soleira da entrada principal fosse menos maciço, teria esculpido meu nome lá. Tudo foi impactante para meus valores de então.

Porém, não fiquei muito tempo naquele prédio porque, no ano seguinte, todo o Curso de Direito foi transferido para o recém-inaugurado Campus do Bacanga. Por um lado, decepção. Por outro, algo surpreendente aconteceu: foi no campus que assisti à primeira aula do professor Agostinho Marques Neto, onde tive acesso a um mundo bem diferente. A mim, foi-me apresentado Immanuel Kant, invés de Elvis Presley. Com uma dose de mágica: as aulas eram interessantes pela maneira hábil, sóbria e elegante do mestre Agostinho ensinar.

Nesse período, foquei nessa disciplina, e logo consegui acesso ao livro de Agostinho - "A Ciência do Direito: conceito, objeto, método". Lio-o com fome de Diógenes, procurando algo de verdade. Foi exatamente aí que a figura do autor mostrou "as promessas do talento, que, desde a sua dissertação de mestrado, na PUC-Rio, já indicava o rumo duma vocação para os estudos sociológico-filosófico-juridicos", ressaltado por Roberto Lyra Filho, diplomado em Cambridge (Letras) e, depois, no Rio de Janeiro, em Direito.

Mais à frente, escreve no prefácio, o mesmo Lyra ao referir-se especificamente a Agostinho Marques: "(...) No caso deste jovem professor maranhense, la valeur n'attend pas le nombre des années; (o valor não espera o número de anos), e isto, com tudo o que denota e conota o termo "valeur", no amálgama de caráter e inteligência, desassombro e lucidez (...)".

Claro e óbvio que quando se fala de ciência do Direito, é imediatamente marcado um encontro real com a filosofia desse prussiano invejável chamado Kant, considerado o filósofo da era moderna. Kant operou, na epistemologia, uma síntese entre o racionalismo continental e a tradição empírica inglesa. Realmente de tirar o fôlego tais intervenções.

Destarte, o tema me foi tão eficiente que, além de tirar notas razoáveis na matéria, ainda fui marcado pelo ferrete em brasa, imprimindo sede maior de aprendizado. A partir daí, muita coisa mudou em meus conceitos pessoais, minha forma de escrever, de encarar desafios, de hermeneutizar a relação básica entre o sujeito e o objeto.


Enfim, a obra imortalizada também na Academia Maranhense de Letras - A Ciência do Direito: conceito, objeto, método - do professor e ilustre amigo Agostinho Ramalho Marques Neto, é sem dúvida minha bússola salvadora, desde a época em que eu insistia em dobrar o Cabo das Tormentas, sem a sorte e habilidade do navegador português Bartolomeu Dias, que o fez, prima, em 1488.


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